Como funciona a venda de propriedade rural para pagamento de dívida


O processo de execução é meio pelo qual o credor busca, judicialmente, o recebimento do seu crédito, por meio da expropriação de bens do devedor. Esse processo se inicia por meio da apresentação, pelo credor, da petição inicial, onde apresenta os seus pedidos e faz com que ela siga acompanhada do título executivo. Os títulos executivos podem ser judiciais, tal como a sentença, ou extrajudiciais, ou seja, produzido pelas próprias partes. Lembrando que podem ser considerados títulos executivos extrajudiciais aqueles documentos aos quais a lei atribua tal característica. Os mais conhecidos são: as notas promissórias, os cheques, as duplicatas, letras de câmbio e qualquer outro documento particular assinado por duas testemunhas, como a confissão de dívida e os contratos em geral. “Cada uma das diferentes modalidades de títulos executivos deve observar características específicas. No entanto, usualmente, qualquer seja a sua espécie, eles devem estar dotados de liquidez, ou seja, expressar um montante determinado, estampar uma obrigação certa e determinada e serem exigíveis (estarem vencidos)”, explica Fernando Tardioli, advogado especializado em Agronegócio e Recuperação Extrajudicial.

Particularmente para o agronegócio, existem outras espécies de títulos de crédito que foram criadas especificamente para fomentar a atividade agrícola, como é o caso das Cédulas de Produto Rural (CPR) e das Cédulas de Produto Rural Financeiras (CPRF).

O fato é que qualquer modalidade de título de crédito, desde que não haja o pagamento voluntário pelo devedor, poderá ser cobrada por meio de execução. É justamente no processo de execução que se busca – depois de citado o devedor para cumprir a obrigação em três dias, e em caso de não pagamento nesse prazo – a penhora de bens.

Dentre os bens passíveis de penhora, os imóveis, sejam eles urbanos ou rurais, serão avaliados por um oficial de justiça ou por um perito – caso haja discordância de uma das partes com relação ao valor definido nesta primeira avaliação ou mesmo a necessidade de conhecimento técnico específico, sempre buscando definir o valor de mercado daquele bem.

Concluída a fase de avaliação, cabe unicamente ao credor decidir se deseja aceitar receber este bem, como forma de pagamento (total ou parcial) do seu crédito – considerando o valor de avaliação e sua devida atualização monetária. Se tomada tal decisão pelo credor, será lavrado o Auto de Adjudicação e expedida pelo juiz a respectiva Carta de Adjudicação, que tem força de escritura e, uma vez registrada junto ao Cartório de Registro de Imóveis, transfere a propriedade do imóvel, até então pertencente ao devedor, para o credor. “Se o valor de adjudicação do imóvel (valor atualizado da avaliação) for menor que o valor da dívida, a ação de execução continuará pelo saldo devedor a ser quitado. Se o valor da propriedade em questão for superior ao montante da dívida, para que a adjudicação seja consumada, o credor precisará depositar em juízo o valor correspondente à diferença. O qual será entregue ao devedor”, ressalta Tardioli.

No caso de o credor não ter interesse em adjudicar o imóvel, esse será vendido para terceiros interessados na compra. O exequente pode optar pela chamada “alienação por iniciativa particular”, requerendo que a alienação ocorra por sua própria iniciativa ou por meio de um corretor. Nesse caso, caberá ao juiz normatizar a venda – especificando como deve ser anunciada, a forma (via de regra por anúncios em jornal), o valor e o prazo de venda, etc. Se a propriedade for vendida, lavra-se o Auto de Arrematação e, se não houver impugnação pelo executado no prazo de dez dias, lavra-se a respectiva Carta, por meio da qual o arrematante já pode registrar o imóvel em seu nome.

Normalmente, porém, se não houver adjudicação ou “alienação por iniciativa particular”, ocorrerá a venda por meio de leilão judicial, que pode acontecer fisicamente, no fórum, ou de forma eletrônica. O juiz nomeia o leiloeiro, fixa sua comissão (que, na maioria dos casos, será de 5% do valor da arrematação) e também normatiza como deve acontecer o leilão – orientando sobre a divulgação do edital de leilão (que pode se dar em jornais de grande circulação na região do imóvel ou apenas pela internet), as datas (sempre duas) e as informações que devem constar para os interessados no referido edital, incluindo a situação jurídica do bem a ser vendido, entre outros dados.

No primeiro leilão, só são aceitos lances iguais ou superiores ao valor atualizado de avaliação do bem. No segundo, já são aceitos lances de qualquer valor desde que não seja considerado um preço aviltante (menos de 50% do valor atualizado ou de qualquer outra porcentagem fixada pelo juiz, desde que superior aos 50% fixados pela lei).

O arrematante tem de pagar pela propriedade adquirida imediatamente, assim como a comissão do leiloeiro. Se não houver uma proposta de pagamento à vista, pode até ser aceito um parcelamento para a aquisição do bem objeto do leilão. Porém, de acordo com o Código de Processo Civil, a preferência é sempre pelo pagamento à vista ainda que o valor oferecido seja inferior ao valor que seria pago caso fosse aceita a proposta de aquisição mediante parcelamento.

A formalização da compra também é feita por meio do Auto de Arrematação, lavrado pelo leiloeiro e assinado pelo juiz e pelo arrematante (comprador), e, assim como acontece no caso de adjudicação ou de alienação por iniciativa particular, o devedor tem até dez dias para impugnar a venda, por meio de simples petição a ser apresentada na própria execução – alegando eventuais nulidades, falta de intimação de interessados ou venda por preço vil. Se nada disse for comprovado, o juiz expede a Carta de Arrematação e dá ao arrematante o direito de transferir a propriedade para si no competente cartório de registro de imóveis. Na sequência, cabe ao arrematante tomar as providências necessárias para tomar a posse do bem.

Após expedida a Carta de Arrematação (ou de adjudicação, se for o caso), se o executado insistir em impugnar a alienação, ele poderá mover uma ação autônoma, visando anular o ato (“ação anulatória”). Trata-se de uma nova ação, independente da Ação de Execução em questão, da qual o arrematante será citado para participar, podendo, inclusive, desistir da aquisição, se entender conveniente, desde que o faça no prazo para contestar a referida ação.

Ainda que a ação autônoma seja julgada procedente, o arrematante tem o direito de ficar com o bem (salvo se tiver manifestado desistência no momento em que foi citado para se defender). Nesse caso, o exequente é que poderá ser condenado a indenizar o executado (autor da ação anulatória) por eventuais danos sofridos.

Observa-se que a lei, apesar de dar meios para que o executado impugne a alienação de seus bens, protege os direitos do terceiro arrematante de ficar com o imóvel adquirido, ainda que as partes (credor e devedor) litiguem, durante anos, nos autos de uma ação anulatória.

Obviamente, cada processo de execução tem suas particularidades e merece criteriosa avaliação por parte dos advogados que representam credor, devedor e interessados em arrematar. No entanto, a aquisição de imóveis em leilões judiciais é uma forma interessante e atrativa de adquirir bens, muitas vezes, por valores abaixo do preço de mercado.