Artigo - Produtor rural como pessoa física não pode pedir recuperação judicial


 

Em 2010, quando o Brasil sentiu os efeitos de uma crise econômica mundial, o Judiciário brasileiro recebeu pedidos variados de recuperação judicial vindos de produtores rurais na qualidade de pessoas físicas. Atualmente, a situação está se repetindo, motivada, principalmente, pelo atual cenário brasileiro.

No entanto, o produtor rural, assim como qualquer outra pessoa física, não pode pedir recuperação judicial, pois segundo o artigo 1º da lei 11.101/2005, apenas o empresário ou a sociedade empresária podem se valer desse benefício.

Para que o produtor rural seja considerado um empresário apto a pedir Recuperação Judicial, além de outros requisitos, é preciso que exerça regularmente atividade empresarial, com inscrição na Junta Comercial, há pelo menos dois anos, nos termos do artigo 971 do Código Civil e do artigo 48 da Lei 11.101/2005.

Sem isso, o produtor rural exerce apenas atividade civil típica, não podendo, portanto, ser beneficiado pelo instituto da Recuperação Judicial, que é reservado exclusivamente ao empresário ou sociedade empresária, conforme entendimento já consolidado do Superior Tribunal de Justiça[1].

Porém, observa-se que o Poder Judiciário tem recebido aceitado alguns pedidos de recuperação judicial formulados também por produtores rurais que não estão inscritos na Junta Comercial de seus estados há mais de dois anos, contrariando, portanto, o que a lei prevê.

São pessoas que atuam, há anos, como pessoas físicas e, considerando essa situação e seu patrimônio pessoal, conseguiram negociar e obter créditos junto a empresas e instituições financeiras, mas que, do dia para a noite, resolvem, por conveniência, se tornar empresários, efetuando registro na Junta Comercial, e, com isso, pleiteiam os benefícios da Recuperação Judicial, que é exclusivamente destinada aos empresários e sociedades empresárias que exercem atividade empresarial há mais de dois anos.

É evidente que tal situação traz gritante insegurança jurídica para os credores que concederam créditos ou contrataram com pessoas físicas não sujeitas, portanto, a concurso de credores em Recuperação Judicial, mas que, de repente, se veem obrigados a se submeter a um processo concursal que, como se sabe, implica em períodos de carência, longos parcelamentos e pesados deságios sobre os créditos, além de, em geral, impossibilitar a expropriação dos bens dos devedores.

Trata-se de uma situação inaceitável que precisa ser barrada pelo Poder Judiciário, sob pena de afastar as empresas e instituições financeiras que fomentam o agronegócio no país e, por consequência, aumentar a taxa de juros. Felizmente, há orientação recente da jurisprudência[2] no sentido de impedir que produtores rurais que sempre atuaram como pessoa física sejam beneficiados pela Lei 11.101/2005 simplesmente porque efetuaram um registro na Junta Comercial dias antes de formularem pedido de Recuperação Judicial.

Conforme consignado nesses julgados, a interpretação correta do Código Civil e da Lei 11.101/2005 leva à conclusão de que os produtores rurais somente podem se beneficiar da Recuperação Judicial se, há mais de dois anos, exercem regularmente suas atividades como empresários, ou seja, com registro de empresário na Junta Comercial. Não basta para tanto que atuem há anos como pessoas físicas, exercendo atividades civis, e que, às vésperas do pedido de recuperação, providenciem inscrição na Junta somente para terem esse benefício.

Se o produtor rural optou por exercer suas atividades civilmente, sem se sujeitar às obrigações decorrentes do registro como empresário, não pode, de repente, exercer direitos decorrentes de uma situação jurídica a qual não se enquadrou por sua livre e espontânea vontade.

 

[1] STJ - REsp 474.107/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 27/04/2009

[2] STJ - REsp 1478001/ES, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 19/11/2015

TJMT - AI 01318447-12.015.8.11.0000  (131844/2015), DESA. SERLY MARCONDES ALVES, SEXTA CÂMARA CÍVEL, DJe DJE 25/02/2016